Reprodução da coluna de Marcelo Viana, na Folha de São Paulo em 18/12/2019
É surpreendente que a matemática dê tão certo
Dois amigos falam sobre suas profissões. O matemático mostra uma estatística que realizou: mu é a média da população, sigma é o desvio-padrão etc. O outro, inseguro se o amigo está caçoando dele, pergunta: “E isso aqui?”. O matemático explica: “Esse é o pi. Você sabe: o quociente do perímetro pelo diâmetro do círculo”. Isso é demais para o colega: “Fala sério: certamente a população não tem nada que ver com o perímetro do círculo!”
Assim começa o artigo “A não razoável efetividade da matemática nas ciências naturais”, de 1960, em que o cientista húngaro-americano Eugene Wigner (1902-1995) se debruça sobre a estranha capacidade da matemática para explicar e prever o mundo à nossa volta. Tomemos o exemplo dos buracos negros, um dos fenômenos mais intrigantes do universo.
Em 1915, Albert Einstein publicou sua revolucionária teoria da relatividade geral. No centro da teoria está a “equação de campo”, que relaciona a geometria do universo com a distribuição de massa. É uma equação complicada, Einstein não acreditava que pudesse ser resolvida.
No entanto, em 22 de dezembro do mesmo ano recebeu uma carta contendo uma solução exata. O autor, Karl Schwarzschild (1873-1916), era um cientista e, à época, tenente do exército alemão, combatendo na frente russa da 1ª Guerra Mundial. Escreveu: “Como pode ver, a guerra tratou-me razoavelmente bem: pude me alhear dos tiroteios pesados e fazer este passeio pelo mundo das ideias”.
Einstein respondeu: “Li seu trabalho com o maior interesse. Eu não esperava que alguém pudesse formular a solução exata de modo tão simples. Gostei muito do tratamento matemático. Quinta-feira apresentarei o trabalho à Academia”.
Na solução de Schwarzschild existe uma região esférica especial, que foi interpretada como um “horizonte de eventos”: tudo que entra na esfera não pode mais sair. A massa do objeto (uma estrela, por exemplo) encurva o espaço-tempo de tal forma que nem a luz consegue escapar! Desta forma, a matemática descobriu os “buracos negros”, que os físicos não previram.
Não só não previram, como nem Einstein nem seus colegas acreditaram que pudessem realmente existir. Durante décadas, na comunidade dos físicos acreditar em buracos negros era como acreditar na fadinha do dente.
Até o início da década de 1970, quando Thomas Bolton, Louise Webster e Paul Murdin identificaram Cignus X-1 como o primeiro buraco negro conhecido.
De então para cá, ficou claro que buracos negros são um dos fenômenos mais essenciais do universo. Descoberto por meio de uma equação matemática.
Marcelo Viana
Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.
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