Em tempos de pós-verdade e negacionismo da ciência poder estimular o pensamento científico desde cedo é uma iniciativa muito bem vinda. Conheci a pouco tempo um podcast chamado Histórias de Ninar para Pequenos Cientistas que apresenta em um de seus episódios uma história ensinando acaso, probabilidade e azar para os pequenos. Achei muito interessante. Esta é uma iniciativa do governo de Minas Gerais para divulgação científica.
Roteiro de Luiza Lages, com colaboração e consultoria científica do professor Ricardo Takahashi, do Departamento de Matemática da UFMG.
O conto se chama Rafa e o azar: um conto sobre a probabilidade matemática e pode ser ouvido logo abaixo.
Se o player não carregar use o link: https://open.spotify.com/episode/4gHK1AkxIZyygpDx2MANSt
Deixei aqui também a transcrição do conto:
Um jogo de sorte
Era mais um dia de férias para as irmãs Rafa e Ju. E elas estavam
entediadas. Já tinham visto TV, jogado jogos no celular, ajudado a mãe a
colocar a mesa do almoço. Ajudado o pai a limpar a mesa de almoço.
Brincado com o cachorro. Brincado de esconde-esconde, de montar
quebra-cabeça e tomado banho de mangueira. E, depois de tudo isso,
ficaram sem ideias do que fazer… A mãe das meninas sugeriu: “Por que
vocês não jogam um jogo de tabuleiro? Tem tantos aí!”
Rafa não gostou muito da ideia, porque Ju era dois anos mais velha.
Sempre ganhava! Já tinha jogado muito, por dois anos inteiros a mais que
ela, não parecia muito justo. E Rafa não gostava de perder, viu. Ficava
inconformada! Mas a irmã sugeriu que elas escolhessem um jogo de sorte.
Ela disse que as duas iam ter a mesma chance de ganhar. Hm… A menina
topou. E começaram a brincar.
Era até bem legal. Elas tinham que rolar o dado e andar pelo
tabuleiro, seguindo o que as casas falavam: volte um espaço, ande dois,
compre uma carta, ganhe dinheiro, perca dinheiro, fique uma rodada sem
jogar. Era por aí. Mas claro… Quem chegava primeiro ao final, vencia. E
tudo dependia do bendito dado!
Ju já estava lá na frente. Tirava cincos e seis, rodada atrás de
rodada. Enquanto isso, Rafa jogou uma vez: um. Na próxima rodada, um. E
depois, de novo, um! Não era possível! Acho que poucas vezes a menina
sentiu tanta raiva em toda a vida! Apelou. Levantou, furiosa, e gritou
que assim não dava! Como ela podia ser tão ruim no dado?
Alguns dias depois…
Rafa assistia ao jogo de futebol com o pai. Ela se perguntou por que
ele sempre vestia o mesmo boné, velho e feio, para ver os jogos, mesmo
assim, dentro de casa. “Meu pai é esquisito”, pensou. Resolveu perguntar
o porquê de toda essa esquisitice. O pai riu e disse que não tinha
muita explicação, só que aquele era o boné da sorte. Ele gostava de usar
durante os jogos para não perder.
Rafa achou aquilo sensacional. Correu até a irmã e a desafiou para
mais uma partida do jogo de tabuleiro. Assim que o pai desligou a TV,
pediu o boné emprestado, certa de que aquilo ia garantir a sua vitória.
As meninas começaram a brincar. Seis. Cinco. Seis. Outro seis. Rafa se
sentia invencível! Finalmente ganhou de Ju. E, para ela, o segredo de
tudo era o velho boné feio do pai.
A certeza da sorte
À noite, ainda usando o boné, sentou-se à mesa com uma confiança…
Disse que nunca se sentiu tão sortuda. “Mãe, me dá dinheiro que vou
ganhar na loteria”, comandou. A mãe riu e perguntou de onde vinha toda
aquela certeza. Quando Rafa contou sobre o boné, os jogos e futebol do
pai e a partida contra a irmã, a mãe riu alto. Muito alto. Não conseguia
parar de rir. Rafa não entendeu nada. E explicou de novo: “A Ju é muito
boa nos dados e eu só perco. Menos quando estou com o boné da sorte!
Ele dá sorte de verdade, eu juro!”
Depois de segurar a risada, a mãe perguntou para o pai das meninas se
o boné dava tanta sorte assim. Afinal, seu time só ganhava? O pai riu
meio sem graça e disse que não era bem assim. Depende do ano, depende do
campeonato, depende de um tanto de coisa. “Menos do boné, não é
mesmo?”, perguntou a mãe. Ela explicou que se o pai usasse ou não o
boné, isso não ia fazer muita diferença nos resultados do jogo. E que,
para as partidas de Ju e Rafa, também não. Disse que o que acontece ao
jogar um dado é apenas acaso.
Por causa do acaso
E o que é o acaso? É um fenômeno, uma coisa que ocorre, sem nenhuma
causa. Que não tem motivo ou explicação para acontecer como acontece.
Por isso, não dá para controlar os resultados. Se você joga um dado para
cima, e o dado for bem feito e funcionar direitinho, tem a mesma chance
de tirar qualquer um dos números: um, dois, três, quatro, cinco ou
seis. Não tem nada que você pode fazer para garantir um seis, quando
você quer um.
Por isso, a gente fala que é uma coisa aleatória. E aí, a cada vez
que a jogada for repetida, várias e várias vezes, vai produzir efeitos
diferentes! E isso vale para diversos fenômenos e experimentos. A única
coisa que muda os resultados é o acaso. Às vezes a gente chama isso de
azar. Outras vezes, de sorte. Depende se a gente acha os resultados bons
ou ruins!
Mesmo sendo assim, ao acaso, dá para saber quais as chances de uma coisa acontecer. E a gente faz isso usando matemática.
Probabilidade
“Meninas, isso é probabilidade”, disse a mãe de Rafa e de Ju. Ela
explicou que quando alguém fala assim, que é provável que uma coisa
aconteça, significa que tem mais chance de acontecer, não é? A
probabilidade estuda qual a chance de chegarmos a um resultado. Por
exemplo, tirar o um ou o seis no dado. E ela disse que a chance de tirar
o número que você quer, ao jogar o dado uma vez para o alto, é de uma
em seis. E que todo mundo tem essa mesma chance: a Ju ou a Rafa, com ou
sem boné da sorte.
Rafa ainda não conseguia acreditar. Ela estava tão confiante no boné…
A mãe sugeriu então que elas fizessem um experimento! Falou para a Rafa
jogar o dado dez vezes com o boné, dez vezes sem. E aí ver o que
aconteceria. Ju foi anotando os resultados. Ahá! Rafa comprovou a sorte
do boné. Tirou três “uns” sem o acessório de sorte! E só do número três
para cima vestindo o boné. Se aquilo não era o boné fazendo mágica, não
sabia o que era.
Experimentos sobre o azar
“Não tão rápido! Quem disse que os nossos experimentos acabaram?”,
perguntou a mãe. Ela explicou que, dez vezes ainda era pouco. Era normal
tirar um resultado daquele. Instruiu as meninas agora a fazer isso cem
vezes!! Primeiro com boné e depois sem. Ficaram lá algum tempo, jogando e
anotando cada número. E não é que dessa vez o boné parece que não deu
tanta sorte assim? A mãe contou quantas vezes cada número apareceu para
cada uma das situações. Ficou tudo meio parecido!
Rafa ficou surpresa! Será que foi só o acaso mesmo que garantiu a
vitória dela contra Ju no jogo? Parecia que a mãe estava certa… E depois
ainda veio outro experimento. A mãe disse que ia ser legal fazer a
mesma coisa com uma moeda. Jogar para cima e ver quantas vezes saía cara
ou coroa. Ela disse que agora era ainda mais fácil entender o acaso.
Porque só tinha dois resultados possíveis, né? Um lado da moeda ou o
outro.
As meninas começaram a brincar, jogaram a moeda várias e várias vezes
para o alto. Se desse cara, Ju ganhava. Se desse coroa, a vitória era
da Rafa. Anotaram quem tinha ganhado em todas as rodadas. E não é que,
mais uma vez, ficou tudo meio igual? Se tivessem jogado só cinco vezes, a
Ju ia ganhar de lavada… E a Rafa ia ficar braaaava. Mas depois de
jogarem umas cem vezes, viram que o jogo podia virar! Legal, né?
Convencida de que ganhar nos dados, na moeda ou na loteria era ação
do acaso, Rafa devolveu o boné ao pai. E ainda avisou: “Pai, vou te dar
um boné novinho de Dia dos Pais. Esse aí tá muito feio. E acho melhor
você estudar probabilidade”.